BREVE ANÁLISE DAS OBRAS DE BUKOWSKI E RAUSCHENBERG ATRAVÉS DE SUAS TRAJETÓRIAS CRONOLÓGICAS.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
Introdução:
Meu objetivo é bastante simples como propõe o título do meu trabalho. Apresentarei comparando dois artistas de áreas completamente diferentes: Do campo literário Charles Bukowski e no campo visual Robert Rauschenberg. Aparentemente nos parece impossível fazer uma ligação analítica entre estes dois artistas de realidades sociais um pouco diferenciadas. Enquanto Bukowski sofrera sua descentralização geográfica através de um êxodo no período entre guerras da Alemanha para Estados Unidos, Rauschenberg, nascido no Texas, lidaria com o período da grande depressão. Vindo a fazer alguns de seus cursos na Europa.
Mas assim como quase todos os artistas Século XX, as transformações da primeira metade desse século na arte moderna torna-se praticável uma análise ainda que de impressão isolacionista desses artistas. O próprio Rauschenberg seria grande influência no que viria a ser arte pós-moderna ao preceder a própria pop art.
Começarei por este estudo histórico entre a realidade social e as transformações artísticas. Depois farei uma comparação de seus respectivos trabalhos de uma forma superficial aos vários movimentos artísticos desse período século. Assim como passarei a fazer uma análise mais detalhada de suas obras dentro de uma perspectiva sociológica e privada que culminará com os jogos fetichistas dessas obras diante de um comportamento antropológico.
Cronologia biográfica:
Parece irônico uma biografia como a de Charles Bukowski (1920 – 1994) começar justamente no ano em que é validada a lei seca nos Estados Unidos em 1920 e por se tratar justamente dele, um alcoólatra assumido. Verdadeiramente nascera numa Alemanha que recentemente ao seu nascimento havia perdido uma guerra e sua realidade social estava totalmente despedaçada pelas reformas políticas e bélicas impostas pelos países aliados vencedores ao que ficou chamado de tratado de Versalhes. Tratado esse que fora criado exatamente um ano antes de seu nascimento. Também naquele mesmo ano do tratado, a Bauhaus era fundada e vemos a primeira exposição Dadaísta em Berlim, mesmo que ainda que de uma forma quase clandestina ou quase de assalto. Talvez tenha sido o motivo da crise que assolava a Alemanha e a iminência de uma guerra que fizeram com que a família de Bukowski viesse aportar na América do Norte e viver doravante no subúrbio de Los Angeles quando Charles Bukowski ainda contava três anos de idade. Seu pai era um soldado americano casado com sua mãe, uma jovem Alemã que possivelmente tal encontro só teria acontecido por consequência da guerra e da vitória dos EUA no lado aliado e ocupação provisória no território alemão.
Um ano depois em que a família de Bukowski se instala na América e o ano em que antecede o nascimento de Robert Rauschenberg (1925 – 2008), é publicado em 1924, por André Breton (1896 — 1966), o manifesto surrealista, que mantendo a quebra de paradigmas anteriormente proposta subjetivamente pelo Dadaísmo que por sua vez procura quebrar as correntes institucionais dos movimentos anteriores, irão exercer, posteriormente, enorme impacto na formação de Rauschenberg. Numa forma geral, as transformações históricas e artísticas no inicio do século XX serão essências para compreensão de trabalho. A começar pelo ano de seu nascimento no ano de 1925, apesar da Bauhaus ter sido fechada em Weimar, sua influencia iria ecoar nos anos que se seguiriam ao encontro de Josef Albers (1888 - 1976), artista formado na Bauhaus que nos anos seguintes iria fazer parte, na condição de mestre, da formação artística de Rauschenberg na Black Mountain Colegge. Assim como Bukowski, Rauschenberg tinha sua origem Europeia e Americana no que diz respeito a sua ascendência: anglo-saxão e cherokee.
Inicio das atividades artísticas e respectivas realidades sociais:
Na década de 1950 Rauschenberg começa seus trabalhos com sua técnica inovadora Combine Paiting, que irá usar, além da pigmentação, objetos do cotidiano. Tais trabalhos de Rauschenberg sugeriam o expressionismo abstrato por propor uma quebra na linha divisora que havia entre a pintura e a escultura. Essa classificação fora incorporada principalmente após 1929 na grande depressão (como ficou conhecida a quebra na bolsa de Nova Yorque), mas o que estava ocorrendo naquele momento era uma estética que iria preceder a Pop Art.
Aparentemente do distanciamento social entre Charles Bukowski e Robert Rauschenberg, os fatores históricos no inicio do século XX acima citado, é um ponto de entendimento não só de Rauschenberg, mas do próprio Bukowski, se tratado de sues respectivos trabalhos. Enquanto a formação de Rauschenberg seria baseada nos próprios movimentos que antecederam sua trajetória pelo academicismo via artes visuais, Bukowski teria tido maior prejuízo dentro da realidade social e econômica em que se encontrava devido às crises econômicas dos Estados Unidos naquele momento. Durante sua vida literária, teve que subsistir aos mais variados subempregos. Desde frentista de posto da gasolina, frigorifico a funcionário dos correios (onde passou mais tempo). Seu perfil social é bem comparável às personagens do romance gráfico de Will Eisner (1917 - 2005) principalmente em O Edifício (1987) e Um contrato com Deus e outras histórias do cortiço (1978), assim como as personagens de seus próprios livros: imigrantes Europeus do período entre guerras que se instalam nos subúrbios norte americano sem direito a cidadania. Trata-se exatamente da descentralização social e pátrio desses imigrantes europeus na sociedade norte americana. Bukowski somente começaria a ter certo reconhecimento a partir da década de 1980 e sua primeira publicação que se tem noticia, ocorrera em 1955 apesar de escrever desde 1944.
“Eu trabalhava no departamento de expedição de uma firma de acessórios e peças de automóvel e o salário mal dava para atender as despesas. Minhas únicas alegrias consistiam em comer, tomar cerveja e ir para a cama com Sarah. Não era o que se poderia chamar de vida folgada, mas cada um deve se contentar com o que tem. E sara estava longe de ser um prato de se jogar fora. (...)” - Quinze centímetros (pag. 37) – Bukouski, Charles.
Espírito Beat em espaço delimitado:
As personagens de suas prosas são de cunho biográfico apesar de suas representações fantásticas a realidade parecerem de certo ponto absurdas. Sua linguagem escrita segue os mesmos moldes de desprendimento lógico com a geração Beat. Porém seu coloquialismo somado com o absurdo herdado do surrealismo o coloca como uma inovação transcendental entre o popular e o distanciamento da literatura acadêmica. Enquanto a geração Beat rompia sua linguagem literária, vivendo as experiências do dadaísmo e do surrealismo, na mesma proporção em que singrava o país e rompia fronteiras geográficas, Bukoswski e Rauschenberg aprofundavam-se no microcosmo da urbanidade e da vida privada expondo as fronteiras sociais. Expondo às vezes o consumismo naquilo em que se encontrava nas latas de lixo ou nos bares, depósitos de desesperançados. Bukowski, para falar da mesma persona social de Jack Kerouac, não precisou ir longe, para o México, encontrar comTristessa como fez Jack Kerouac( 1955-1956, publicada 1960). Bastou olharmesmas mazelas do terceiro mundo encarnada em sua realidade social na personagem de Cass (A mulher mais linda da cidade. Publicado pela primeira vez aqui no Brasil em 1984). Da mesma forma, assim como Tristessa, Cass era descentralizada por sua própria descendência indígena (assim também como o próprio Bukowski de suas origens) do sistema capitalista primeiro mundista. Rauschenberg, por sua vez iria expor o consumismo de uma sociedade capitalista tingindo em sua materialidade por vezes tridimensional as cores vivas e alegres do que viria a ser a pop art. A partir daí a produção industrial estaria ligada ao kitsch e este ultimo elevado a um novo patamar do consumismo da arte.
Elementos da urbanidade: vida privada e fetichismo.
O fetichismo que apresentarei aqui foge um pouco do âmbito da arte, mas ainda dentro do sistema de castração analisado por Freud. Longe do fetiche da aura, do exótico ou de qualquer vontade de poder pelo objeto inalcançável. Talvez esteja próximo da sexualidade e do mistério das “formas admiradas com as formas desejadas” como diria André Malraux. Do que está dentro do imaginário coletivo e da vida privada.
Da série combine paiting ou combinação, temos este trabalho de Rauschenberg (Bed) cuja sua materialidade compõe lençóis e colchões de cama. Suas tintas estão dispostas como que “manchadas” sobre os tecidos. Alguns relatos afirmam que o próprio Rauschenberg se apropriou de suas peças de cama. Tais relatos podem fazer parte da própria composição da obra como que para alimentar a aura fetichista a sua volta. Não somente em sua materialidade, mas o que pode estar ali como impressão de uma possível ação. A intimidade exposta. Extraída do âmbito privado elevado ao âmbito social. Sua visão urbana do microcosmo de nossas intimidades expostas na urbe antes que a coleta de lixo as leve para a exposição, por enquanto, sem espetáculo, maior da polis: O lixão.
No texto “Quinze Centímetros”, do livro Crônicas de Um Amor Louco, de Charles Bukowski, o fetichismo parte do coletivo da urbanidade e vai se desenrolar dentro do privado. Henry Markson Jones Jr. – alter-ego de Bukowski - conhece Sarah numa festa de confraternização na empresa onde ambos trabalhavam e passam a viver juntos mesmo contrariando os avisos de seus colegas de trabalho de que Sarah, supostamente seria uma bruxa e talvez fosse responsável pelo sumiço de dois outros funcionários. Henry interpreta como protestos de inveja por ele ter “fisgado” a mulher mais bonita da empresa. O que ele vai descobrir em sua intimidade com Sarah é exatamente o absurdo a que antes fora advertido pelos colegas. Ao aceitar a imposição de Sarah em perder peso, Henry percebe que além de perder peso, está perdendo altura. Consequentemente ele é demitido de seu emprego (Sarah havia pedido demissão do mesmo emprego na semana em que foi viver com Henry) sob a alegação de “não estar mais em condições de dar conta do serviço.”. O que se segue é a perda da altura de Henry até 15 centímetros obrigando-o conviver preso dentro de casa com Sarah. A partir daí começa um verdadeiro jogo sexual entre o fetiche de Sarah e o “objeto” em que se tornou Henry.
Aparentemente, esse conto parece apresentar o fetiche sexista e machista de seu autor. Mas é perceptível a sua submissão como objeto diante do desejo feminino.
“Mas como ia dizendo, uns 3 meses depois do casamento começou a fazer aqueles comentários sobre o meu peso. A principio se limitou a pequenas observações bem humoradas, depois passaram a ficar escarninhos. Uma vez cheguei em casa e ela ordenou:
- Tira essa roupa de merda!
- Como é que é, meu bem?
- Você ouviu perfeitamente o que eu disse, seu peste! Tira tudo de uma vez!
A Sarah que estava diante de mim era meio diferente da que eu conhecia. Despi a roupa e a cueca e jogue tudo em cima do sofá. Ela ficou ali, me encarando fixamente.
- Horrível – decretou - , só merda e mais nada!
- O quê, meu anjo?
- Eu disse que você está tão gordo que mais parece um saco cheio de merda!
- Escuta meu bem, o que é que há? Você acordou com vontade de arrasar comigo?
- Cala a boca! Espia só essas pelancas aí na cintura!
Tinha razão. Parecia haver mesmo umas pequenas bolsas de gordura de ambos os lados, umas dobras logo acima dos quadris aí ela cerrou os punhos e bateu com toda a força, várias vezes, em cada uma das bolsas. (...)” – (pag.39).
A submissão de Henry não deixa de ser um fetiche individualizado entendo que o fetiche é o nosso desejo em busca de uma realização (ou não) obstruída pela castração. Mas de qualquer forma ele é compartilhado com o desejo fetichista de seu objeto (Sarah). Na prática do autor: Charles Bukowski pratica seu próprio fetiche simplesmente trocando seu alter-ego de posição dominante para dominado com a sua outra personagem Sarah. Analisando no âmbito privado é inevitável deixar de abordar aqui a questão da posição da mulher como sustentáculo da uma hierarquia social montada também pelo âmbito do gênero. Sarah abandona o emprego enquanto Henry continua na sua obrigação de mantedor das despesas da casa, ou seja, ela passa a assumir o anonimato social, porém, mantém o controle social através de Henry. Seu poder se potencializa quando Henry se vê obrigado a abandonar o quadro social e de vez fazer parte do jogo sexual de Sarah, dessa vez somente nesse âmbito privado.
“Esvaziei o dedal e então aconteceu uma coisa nojenta – uma coisa simplesmente asquerosa. Sarah me levantou do chão e me pôs no meio das pernas dela, que entreabriu só um pouquinho. Aí me vi diante de uma selva de pelos. Endureci as costas e os músculos da nuca. Pressentindo o que iria acontecer. Me senti esmagado pela escuridão e pelo fedor. Sarah soltou um gemido. Depois começou a me sacudir devagar, para frente e para a trás. (...) aí Sarah deixava escapar um gemido ainda mais fervoroso. (...) estava totalmente bêbada de vinho e paixão. (...)” – pag. 46.
A partir dali Henry torna-se cativo aos desejos de Sarah, sua única esperança de retornar ao “mundo coletivo” seria eliminando Sarah. Ao eliminar Sarah, o escritor também estaria eliminando uma possível alienação psicótica de seus fetiches para ser “aceito” socialmente? Se tratando de Charles Bukowski, talvez não. O que ele faz apenas é contar um bom conto. A análise fica por nossa conta. E o que ele traça é o quanto a vida urbana está ligada na vida privada através do espetáculo. Da mesma forma que não devemos nos espantar com os exageros fantásticos bukowskiano, também não devemos desacreditar a exposição de Bed de Robert Rauschenberg. Ambos possuem a mesma função: revelar o que já está revelado. Aceitar o que nos é sempre negado.
o velho Buk retratado por Robert Crumb no livro de Bukowski "O Capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio"seu ultimo livro escrito. lançado aqui pela L&PM Pocket. abaixo, retrato de Rauschenberg quando jovem ao lado de suas criações.
Bibliografia:
Argan, Giulio Carlo, Arte Moderna, 1988, ed. Companhia das Letras, 2004;
Osterworld, Tilman; Pop Art, ed. Taschen, 2001;
Eisner, Will, Um Contrato com Deus e Outras Histórias do Cortiço, 1978, ed. Brasiliense, 1995;
Eisner, Will, O Edifício, 1988;
Malraux, André, O Museu Imaginário, edições 70, 1965;
Bukowski, Charles, Quinze centímetros, 1967, 2009, in: Crônica de um amor Louco;
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