quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Sexualidade e Feminilidade no Ocidente: O Erotismo e seu tabu na religião e na História da Arte. - parte 2

Bem demorou mas cumpro aqui a segunda parte do Sexualidade e Feminilidade no Ocidente: O Erotismo e seu tabu na religião e na História da Arte.  Se você não  leu a primeira parte é só clicar no título aqui demarcado.



Sagrado e profano: A opressão sexual feminina finalmente explode nos traços de Bernini.

               Se ainda a mulher como artista e como ator social estava relegada ao obscurantismo de nossa história. Ao menos sua sensibilidade estaria presente em muitas obras de arte. Não somente como sexualidade a ser liberada, mas também como agente dessa liberdade. Na iconografia clássica vemos a mulher, representada como divindade trazendo o gesto do movimento diante de imagens estáticas. Podemos encontrar uma melhor definição no artigo de Felipe Charpel Teixeira: Aby Warburg e a pós-vida das Pathosformeln antigas, na qual ele diz a respeito do Historiador discutido em seu texto:

               “A hipótese defendida pelo autor era de que tais figuras femininas, recorrentes em diversas pinturas florentinas dos século XV e XVI, remetiam a uma tópica constantemente aludida na literatura antiga, especificamente em autores como Ovídio, Apuleio, Virgílio e Lucrécio: a Ninfa, ‘tipo generalizado da mulher em movimento’, segundo definião de Warburg (1990ª,p.120), sempre uma moça muito jovem, representada  com movimentos graciosos, nas vestes, no cabelo e no corpo, uma criatura entre o humano e o divino – (...)” (pag.141)

Em muitos momentos, estes dados nos são apresentados na iconografia pictórica do período do renascimento. Sempre a mulher trazendo o movimento como divindade no âmbito terreno. Esta divindade não estava remetida exclusivamente ao sagrado. Trazia no caso renascentista o retorno ao paganismo:
               “As representações pictóricas de Ninfas por artistas como Botticelli e Ghirlandaio eram para o historiador hamburguês muito mais que meras citações visuais de elementos da cultura antiga. Elas constituíam, para Warburg, efetivas personificações do paganismo renascentista, revelando-se registros da presença de Pathosfomeln promordiais – conjunto de posturas e gestos que, segundo ele, remetiam a condições especiais de excitação psicológica. Como sugere E.H. Gombrich (1970, p.125), Warburg via na ‘Ninfa a erupção de uma emoção primitiva através da crosta do autocontrole cristão e decoro burguês’. (p.142)
               É justo pensar que não há nenhum grito ao feminismo nesta intencionalidade de Warburg, mas podemos repensar em termos contemporâneos que os artistas daquele período já entendiam que a mulher, mesmo que no ícone das artes, subjetivamente, nos remetiam a uma liberação erótica em contraposição a um interdito imposto e cujas praticas opressoras vinha da idade média. Principalmente no que diz respeito na própria figura da mulher daqueles tempos. Mas podemos ir além. 

É quase impossível olhar para as esculturas de Bernini e isentá-las da forte conotação sexual que elas carregam devido a sua carga erótica. Gian Lorenzo Bernini (1598-1680) foi um notável artista italiano pertencente ao movimento estético barroco. Diante de tantos ofícios destacou-se como arquiteto e escultor e esta ultima que trago aqui como objeto de estudo. Filho de escultor maneirista Bernini não fugiu da dualidade que era, sendo artista em um período em que a igreja manifestava seus dogmas religiosos pelo viés da arte, servir a gestão do Papa Urbano VIII em Roma. Em suas obras de temas sacros reflete-se o sensual. Em sua maioria, representado na imagem feminina embora este feminino esteja ligado a uma finalidade religiosa. Caso da escultura O êxtase de Santa Tereza que recebe de um anjo o fogo divino cujo instrumento usado por este anjo é mais uma vez uma forma pontiaguda (como as flechas de São Sebastião). Aqui no caso, uma lança. Que queima como fogo. Mas ao invés da dor, podemos perceber o êxtase mencionado. Enquanto a mão direita do anjo prepara-se para usar a lança sobre o corpo da Santa, sua mão esquerda, de um gesto delicado, parece descobrir-lhe o seio.

Mas de que ordem vem tal êxtase? Por se tratar de uma obra sacra pode ser que ela foi defendida, principalmente pela igreja de que se baseava em relatos bíblicos, o espírito santo seria tão intenso que a experiência espiritual se refletiria na carne. Muito mais intenso que o orgasmo feminino, parece. Não é a toa que, assim como São Sebastião, vemos sua face voltada para o alto. Para os céus e não para o anjo que com este espírito santo a invade.
               Mas o orgasmo feminino, não seria tão intenso tanto quanto? Mais até que o orgasmo masculino, uma vez que a mulher, como corpo preso a história e suas tradições, quando atinge este gozo é acometida de um prazer intenso que chega a transcender os próprios sentidos? Parece que o êxtase da Santa de Bernini está mais voltado para o seu interior. Quase que resultado de um prazer solitário. Detalhes estes visíveis em sua materialidade. Como a luz que vem do céu que mais parecem representar o instante desse gozo e os outros detalhes acima citados.


Mas explicito que isso, podemos perceber em outra obra de Bernini: a freira Ludovica. Aqui, vemos um êxtase mais carnal. Ou pelo menos explicitamente carnal. Vemos aqui esta santa com a cabeça voltada para trás. Assim como a primeira, sua boca encontra-se entre abertas e os olhos fechados. Porém o detalhe de seu corpo é mais surpreendente. Suas mãos comprimidas apertam-lhes os seios. Ela está deitada. Suas pernas parecem mover-se para dentro de seu corpo como em posição quase fetal. As sobras de tecido de seu pano de cama estão dispostas entre as suas pernas. Não há aqui a figura de um anjo. A posição de seu corpo alude mais a uma masturbação. Talvez reprimida pela obediência de seu devotamento religioso?
               É bem possível que Bernini não tenha de fato pensado tudo isso. Um homem como todos do seu tempo pouco se sabe de sua vida possivelmente provinciana, comparada aos dias atuais.  Devotado a Igreja que naquele momento ainda trazia da idade media um forte poder de mea culpa ao povo mantendo-os sob seu jugo de Estado. Ainda mais, tratando-se de Bernini. Funcionário direto do Papa Urbano VIII, então presidente Estatal de Roma.

 Mas como negar tais detalhes carregados de carga erótica? Ainda mais representado em mulheres. Estas que em seu tempo ainda mais sofriam as sanções religiosas e sociais e por isso não podiam reivindicar sequer seus prazeres mais fisiológicos. Talvez nada disso de fato tenha sido pensando de Bernini, encarregado de liderar projetos urbanísticos e arquitetônicos na cidade Roma naquele momento. Parece impossível mesmo desvincular o artista de sua Fé religiosa e do seu contexto histórico. Mas podemos de fato limitar tal analise ao plano especulativo? A arte também não se revelaria no plano psicológico de um artista e com isso nos mostraria a face oculta de uma outra sociedade contrária aquela primeira? Mediante negação de tais possibilidades, talvez estaríamos descartando uma subjetividade silenciosa entre artista e expectador que poderia ser muito cara.  Se formos acusar de julgamento equivocado devemos considerar que tal subjetividade já é um pacto social inegável mesmo que Bernini não participe dele.



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