Sagrado e
profano: A opressão sexual feminina finalmente explode nos traços de Bernini.
Se ainda a mulher
como artista e como ator social estava relegada ao obscurantismo de nossa
história. Ao menos sua sensibilidade estaria presente em muitas obras de arte.
Não somente como sexualidade a ser liberada, mas também como agente dessa
liberdade. Na iconografia clássica vemos a mulher, representada como divindade
trazendo o gesto do movimento diante de imagens estáticas. Podemos encontrar
uma melhor definição no artigo de Felipe Charpel Teixeira: Aby Warburg e a
pós-vida das Pathosformeln antigas, na qual ele diz a respeito
do Historiador discutido em seu texto:
“A hipótese defendida pelo autor
era de que tais figuras femininas, recorrentes em diversas pinturas florentinas
dos século XV e XVI, remetiam a uma tópica constantemente aludida na literatura
antiga, especificamente em autores como Ovídio, Apuleio, Virgílio e Lucrécio: a
Ninfa, ‘tipo generalizado da mulher em movimento’, segundo definião de Warburg
(1990ª,p.120), sempre uma moça muito jovem, representada com movimentos graciosos, nas vestes, no
cabelo e no corpo, uma criatura entre o humano e o divino – (...)” (pag.141)
Em
muitos momentos, estes dados nos são apresentados na iconografia pictórica do
período do renascimento. Sempre a mulher trazendo o movimento como divindade no
âmbito terreno. Esta divindade não estava remetida exclusivamente ao sagrado.
Trazia no caso renascentista o retorno ao paganismo:
“As representações pictóricas de
Ninfas por artistas como Botticelli e Ghirlandaio eram para o historiador
hamburguês muito mais que meras citações visuais de elementos da cultura
antiga. Elas constituíam, para Warburg, efetivas personificações do paganismo
renascentista, revelando-se registros da presença de Pathosfomeln promordiais –
conjunto de posturas e gestos que, segundo ele, remetiam a condições especiais
de excitação psicológica. Como sugere E.H. Gombrich (1970, p.125), Warburg via
na ‘Ninfa a erupção de uma emoção primitiva através da crosta do autocontrole
cristão e decoro burguês’. (p.142)”
É justo pensar que não há nenhum
grito ao feminismo nesta intencionalidade de Warburg, mas podemos
repensar em termos contemporâneos que os artistas daquele período já entendiam
que a mulher, mesmo que no ícone das artes, subjetivamente, nos remetiam a uma
liberação erótica em contraposição a um interdito imposto e cujas praticas
opressoras vinha da idade média. Principalmente no que diz respeito na própria
figura da mulher daqueles tempos. Mas podemos ir além.
É
quase impossível olhar para as esculturas de Bernini e isentá-las da
forte conotação sexual que elas carregam devido a sua carga erótica. Gian
Lorenzo Bernini (1598-1680) foi um notável artista italiano pertencente
ao movimento estético barroco. Diante de tantos ofícios destacou-se como
arquiteto e escultor e esta ultima que trago aqui como objeto de estudo. Filho
de escultor maneirista Bernini não fugiu da dualidade que era, sendo artista em
um período em que a igreja manifestava seus dogmas religiosos pelo viés da
arte, servir a gestão do Papa Urbano
VIII em Roma. Em suas obras de temas sacros reflete-se o sensual. Em sua
maioria, representado na imagem feminina embora este feminino esteja ligado a uma
finalidade religiosa. Caso da escultura O êxtase de Santa Tereza que recebe
de um anjo o fogo divino cujo instrumento usado por este anjo é mais uma vez
uma forma pontiaguda (como as flechas de São Sebastião). Aqui no caso, uma
lança. Que queima como fogo. Mas ao invés da dor, podemos perceber o êxtase
mencionado. Enquanto a mão direita do anjo prepara-se para usar a lança sobre o
corpo da Santa, sua mão esquerda, de um gesto delicado, parece descobrir-lhe o
seio.
Mas
de que ordem vem tal êxtase? Por se tratar de uma obra sacra pode ser que ela
foi defendida, principalmente pela igreja de que se baseava em relatos
bíblicos, o espírito santo seria tão intenso que a experiência espiritual se
refletiria na carne. Muito mais intenso que o orgasmo feminino, parece. Não é a
toa que, assim como São Sebastião, vemos sua face voltada para o alto. Para os
céus e não para o anjo que com este espírito santo a invade.
Mas
o orgasmo feminino, não seria tão intenso tanto quanto? Mais até que o orgasmo
masculino, uma vez que a mulher, como corpo preso a história e suas tradições,
quando atinge este gozo é acometida de um prazer intenso que chega a
transcender os próprios sentidos? Parece que o êxtase da Santa de Bernini está
mais voltado para o seu interior. Quase que resultado de um prazer solitário.
Detalhes estes visíveis em sua materialidade. Como a luz que vem do céu que
mais parecem representar o instante desse gozo e os outros detalhes acima
citados.
Mas
explicito que isso, podemos perceber em outra obra de Bernini: a freira Ludovica.
Aqui, vemos um êxtase mais carnal. Ou pelo menos explicitamente carnal. Vemos
aqui esta santa com a cabeça voltada para trás. Assim como a primeira, sua boca
encontra-se entre abertas e os olhos fechados. Porém o detalhe de seu corpo é mais
surpreendente. Suas mãos comprimidas apertam-lhes os seios. Ela está deitada.
Suas pernas parecem mover-se para dentro de seu corpo como em posição quase
fetal. As sobras de tecido de seu pano de cama estão dispostas entre as suas pernas.
Não há aqui a figura de um anjo. A posição de seu corpo alude mais a uma
masturbação. Talvez reprimida pela obediência de seu devotamento religioso?
É bem possível que Bernini não
tenha de fato pensado tudo isso. Um homem como todos do seu tempo pouco se sabe
de sua vida possivelmente provinciana, comparada aos dias atuais. Devotado a Igreja que naquele momento ainda
trazia da idade media um forte poder de mea
culpa ao povo mantendo-os sob seu jugo de Estado. Ainda mais, tratando-se
de Bernini. Funcionário direto do Papa Urbano VIII, então presidente Estatal de
Roma.
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