Notas gráficas – gravuras contemporâneas.
Seria um crime de minha parte
deixar de visitar uma exposição que fica a 20 minutos de ônibus da minha casa.
Ainda mais, uma exposição que de fato responderia minhas expectativas. Digo
isso porque as exposições que eu tenho visitado aqui na baixada não foram muito
estimulantes. A maioria simulacro de exposições. Porque no fundo não abordavam
nenhuma discussão limitando-se a meros objetos exóticos nos trazendo sensações
de deja vu. Nada mais que isso.
Talvez isso se dê pelo fato das instituições, que organizam estas exposições,
não levarem o publico longe dos centros urbanos (e em especial da baixada) tão a
sério. Se for uma falsa impressão de minha parte pode até ser. Mas indícios é o
que não faltam.
Mas existem pessoas sérias que
apostam na arte e nas pessoas sem distinções. Pessoas sérias cuja preocupação é
provocar diálogos entre o público. Aqui
no caso, a gravura o publico através de outro diálogo. Com a musica.
E funcionou. No momento em que
estive na exposição pude ouvir alunos de escolas publicas debatendo sobre as
obras e seus “ruídos” que escapavam daqueles quadros e emanavam pelo labirinto
da galeria. Ruídos visuais. Compreensíveis dentro de sua linguagem.
A minha ida já valeu pelo fato
das colagens (que para mim é uma grande paixão nas gravuras) terem um destaque
fundamental nas composições dessas obras. Elas se assumem como colagens, mas
meio que quebram a harmonia perfeita de suas notas buscando assim o improviso.
Obras como as dos artistas Mario
Goldzweig (Jazz & Bossa); André
Miranda (Black) me remeteram ao lúdico, da época de minha infância em que
eu colecionava álbuns de figurinhas. Loo
Stavale em obras como Dança Selvagem
carrega toda a sua carga disco music
em um perceptivo espirito fanzineiro. Sua deusa Shiva, divindade feminina e
“não-grega” transita através dos tempos.
Em suas mãos, ao invés de elementos de sacrifícios, instrumentos musicais; o Jazz de Paulo Jorge Gonçalves nos
permite ver todas as suas notas escapando da harmonia convencional e assim
criando ruídos. Enfim, Marcelo Oliveira,
transita entre o popular e o erudito, quando mescla estas vertentes culturais de
nossa realidade social tão oposta em simples convites ou entradas de shows,
pondo em cheque o que é legitimado como musica e o que é apenas ruído inculto.
Consciência humana- as essências da afro-brasilidade.
Exposição não divulgada sequer
pela instituição (até este momento que escrevo). Talvez eu esteja realmente
imaginando coisas só porque esta exposição trata uma questão ainda não muito
resolvida em nossa sociedade: consciência
negra. Ou questões raciais, como preferirem. Mas o assunto é o mesmo. Eu,
ao visitar a exposição Notas gráficas – gravuras contemporâneas, a convite de
uma amiga que tem seus trabalhados expostos nesta exposição (Loo Stavale), casualmente percebem (e
fui presenteado por isso) que ali que havia uma outra exposição que sequer foi
citada em nenhum canal de mídia ou ao menos na internet, ao menos na semana da
consciência negra.
Mas enfim, por conta destes detalhes
fico aqui sem saber ao menos o nome do curador e os principais motivos que
fomentaram o projeto. Mas não deixo de mergulhar nela. E o que vejo é uma aula
do quanto à arte de fato não é domínio de poucos privilegiados. Ela é acessível
a todos. Todos nós somos capazes de fazer arte sem um gênio artístico.
A exposição em si funciona como memória. Mas
não uma “memória primitiva” como teimamos em estigmatizar um povo; uma etnia. A
memória é uma memória contemporânea. Do lugar. Do aqui agora, mas ainda
prestando respeito com o passado. Esta memória é a nossa diáspora. É aqui que
devemos assumir nossa afro-brasilidade.
Instrumentos étnicos que são aqui
reproduzidos por artistas contemporâneos (Fallou
Diop), e esculturas que remetem a Giacometti
Fanta e Falla Dioup e as
fotografias documentais e cotidianas de Ymoraz
2007/2008, nos levam ao velho continente africano. Longe das imagens
desgastas do sofrimento, mas de um povo que tenta se reerguer no pós-colonial.
Imagens magnificas de extrema beleza estética.
Mas certamente é na série Cartão postal do instituto de alunos d’Espoir, Senegal, 2011, que passamos a
entender que a arte é de fato a própria vida, logo, toda a vida é obra de arte.
E somos criadores, logo, capazes de produzir arte. E isto fica evidente nos
seus retalhos de tecido sob papel cartão.
belo texto. obrigado.
ResponderExcluirParabéns e obrigado pelos comentários, Gostaria a permissão de postar seu texto no meu blog.
ResponderExcluirhttp://paulojorgegc.blogspot.com.br/
Pode sim, Paulo Jorge. Este texto é de todos nós! Só tenho que te agradecer por isso.
ExcluirSensível percepção dos trabalhos. Agradeço o belíssimo e respeitoso texto. Fico feliz que tenha constatado que esta mostra poderia estar em qualquer espaço, da zona norte à zona sul, sem distinções. Um dos nossos intuitos é mostrar que a arte pode e deve estar próxima, causando reflexões e questionamentos. Um grande abraço, Marcelo Oliveira
ResponderExcluirObrigado pela forma respeitosa como tratou os artistas e suas criações, a consistência do seu texto revela aos leitores a importância de se consumir arte como alimento vital para o crescimento espiritual.
ResponderExcluirObrigado a todos. Mas o mérito é de vocês que deram um passo significativo ao romper fronteiras. Pelas suas obras. Pela atitude em si e seriedade. Parabéns a todos vocês.
ExcluirJc Anjos, só um lembrete, Shiva na verdade é um Deus, uma entidade masculina. Acho que tu quiz dizer Kali certo? Mas de nada tira o brilho do texto! Parabéns!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirÉ de fato foi um erro por falta de conhecimento apurado. Sempre confundo Shiva com Kali (rsrsrsrs). Obrigado por me salvar!
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