Delano Valentim
é desses poetas que escrevem como cantores de rap e e ainda é desses rappers que cantam como quem
escreve uma crônica urbana. Seu blog, cujos textos literários passeiam entre Lima Barreto e Charles Bukowski, possuem musicalidade quase que à capela dando assim um tom mais cru, porém urgente. Sua rapidez é compatível com a velocidade que navegamos na internet, porém, como ele mesmo percebe, poucos apreenderiam o que de fato sua mensagem quer dizer.
Em entrevista bastante sincera e serena, Delano nos
revela o que é ser um “artista do subúrbio” na era tecnológica. Diz que embora não seja do morro e apesar de
sua literatura falar também da periferia, ela nasce do asfalto suburbano (do bairro da Penha). O próprio termo “periferia” segundo ele tem em
sua nomenclatura diferenças geográficas daquelas empregadas em cidades como São
Paulo, por exemplo.
Suas expectativas não são das
mais otimistas partindo da perspectiva de quem produz cultura em um país que põe
a educação em ultimo plano. Seu desencanto durante muito tempo entrou em conflito
(e ainda está) entre o artista e o membro da classe proletária que vive a
constante eminencia de ter que “cortar cabelo, fazer a barba e arrumar um
emprego" para sobreviver. Desse conflito, os anos trouxeram sua primeira publicação
(Todo
Mundo É Jhow!, editora Móbile Editorial , ano 2012 e cujo título vem de uma gíria do tempo em que o mundo desconhecia a força que a internet tem hoje ). Esse livro foi premiado na categoria de melhor romance pela Secretaria
de Estado da Cultura para os Novos Autores Fluminenses.
E apesar disso, Delano parece não
se iludir com o mundo tecnológico e as possibilidades de disseminação de sua
arte que esta tecnologia pode causar uma vez que ele acredita que algo parece
ter se perdido ou simplesmente nunca ter existido nas pessoas em se importar
com a busca do novo. De qualquer
forma sua literatura (ao menos o que revela seu blog) não pode deixar de ser e
de falar do que está à margem da sociedade porque ela é suburbana. E ser suburbano
é pertencer a esta periferia porque ela fala dos excluídos e ser excluído é ser
invisível porque não faz parte de uma cultura centralizada. Em resumo sua arte fala
da realidade da periferia em que muitas vezes esta periferia parece ser
ignorada dentro dos espaços urbanos. Leia esta interessantíssima entrevista e
conheça um pouco desse polivalente artista.
JC Anjos - Bom confesso que eu não tive (ainda) acesso
ao seu livro que foi premiado recentemente, mas ouso dizer, baseado no que li
em seu blog e ouvindo suas canções, que você conseguiu transpor a linguagem do
rap para literatura. Consequentemente, sua narrativa é rápida e por isso
urgente às necessidades que nós, indivíduos da era da internet precisamos para
absorver conteúdo em pouco espaço de tempo. Por outro lado você fala pela
periferia. Não estaria aí surgindo uma verdadeira estética literária vinda dos
guetos que não àquela canônica e centralizada da academia em favor de outras
linguagens como foi o surgimento do rap na musica e o grafite nas artes visuais
que falam desse gueto dentro da urbanidade? Gostaria que você falasse um pouco
disso em relação ao seu trabalho.
Delano Valentim - Não acho que fale pela periferia, e sim a
partir dela, também. Pois sou do asfalto da Penha do subúrbio carioca, que é
diferente de periferia. Aliás, periferia é um termo que se enquadra mais a
geografia de São Paulo. Pois o gueto aqui, não necessariamente é periférico, ou
seja, longe do centro. Tem os morros da zona-sul. Esse termo entrou em voga na
década de 90 do século passado, junto ao aumento das ONGs, e a ocupação de um
espaço maior para o rap nacional via SP. Mas eu falo de um subúrbio peculiar
que se confunde com a favela, mas não é a favela. É híbrido e relaciona-se com
suas idiossincrasias dentro das escolas públicas. Na área nobre da cidade,
talvez as pessoas dispostas se misturem na areia da praia. Aqui essa relação é
mais estreita. Porém, nem sempre, menos tensa. Pelo menos no meu romance Todo Mundo É Jhow! E em muitos contos e
crônicas eu tento evitar os estereótipos ao falar do subúrbio que ainda não foi
mostrado com toda a sua pluralidade. Sobre a literatura não tem que ser maçante
ou cheia de firulas. Sobre os meus personagens em sua maioria eles são de periferia,
mas os seus dramas são universais, que são três ou quatro preocupações humanas
que realmente importam e que a maioria de nós temos não sei se foi Aristóteles
que disse isso. Não sei se é uma estética literária nova, vinda dos guetos,
mas, com certeza é algo a margem das academias. Pois a academia cria uma regra
para que exista um domínio sobre o conhecimento. Imagina se todo mundo for
bacharel, quem é que vai varrer o chão? É por isso que se tem esse controle
através do diploma, do curriculum vitae, do sabe com quem você está falando? E
essa treta toda. A Matrix precisa manter o controle que está em nossas próprias
mãos. Só que nós, não sabemos. O Capetalismo!
como diria o Profeta Gentileza. Como
disse o professor Milton Santos sobre
a globalização naquele documentário (Milton
Santos 1926-2001. Geografo brasileiro cujas pesquisas sobre a globalização
resultaram no documentário de Silvio Tendler em 2001. Clique aqui
para acessar na íntegra e assista após esta entrevista. Nota do entrevistador), o problema é que não
vai ter para todo mundo. Hoje com a internet fica mais difícil manter o
controle sobre a informação do que na época do Getúlio Vargas, que deus o
tenha. Mas ainda existe certo domínio que vem baseado em preconceitos antigos
que estão incutidos em nosso DNA. Hoje você pode assistir aulas de Yale no
YouTube. Mas com certeza ter um diploma é melhor, pois dá respeito, prestígio,
e dinheiro. Mas você não pode impedir que o outro, sem nunca ter pisado numa
sala de aula, com a ajuda dos livros e da tecnologia, é claro, saiba tanto de
Sartre quanto você. Mas às vezes se acaba numa faculdade estudando os feitos de
alguém que nunca pisou numa dessas instituições.
JC Anjos - Você acha que jovens da periferia se
identificariam melhor com a literatura do Todo
Mundo é Jhow! Do que os clássicos impostos pelas escolas publicas?
Delano Valentim - Com
certeza. Entre os leitores do meu livro, existem amigos com experiências de
vidas variadas e todo mundo gostou do livro... Foi o primeiro livro que um
deles leu, já adulto, mas ainda em processo de alfabetização. Talvez, por causa
dessa linguagem a qual você se refere, mas que nem sempre é proposital.
Escrever muito não é escrever bem, diria Henry
Miller. Considero um crime dar o Machado
de Assis para um menino que implica com o português de sua própria época,
imagina como ele lida com o português da época do autor. Quando li esses
clássicos, eu só comecei a me acostumar à linguagem diferente, depois de algum
tempo. Mas é um prazer infinito ler livros como O Cortiço (de Aluísio Azevedo.
N.E.), ou o Dom Casmurro. Embora eu
saiba que em suas épocas eles talvez fossem livro com linguagem considerada
popular.
JCA - Delano Valentim vive de sua arte ou
existe alguma identidade de subsistência na qual ele precisa esconder o
verdadeiro Delano para pegar no trampo?
DV - Eu vivo da minha arte,
e para a minha arte. Mas às vezes dá no saco também. Todo dia quando
eu vejo as plaquinhas de emprego nas ruas fico pensando se não chegou a minha
hora de cortar o cabelo e raspar a barba. Pois é aborrecido ser artista num
país em que a cultura é tratada como uma piada. A minha mulher entra na
frente e me impede de desistir. Henry
Miller disse que os artistas eram tolerados tanto quanto os presidiários.
Concordo. Eu poderia processar o governo brasileiro pelos serviços que prestei
a cultura desse país sem ganhar um centavo. Todo mundo tem que entender que
cultura é necessidade, pois ajuda a criar senso crítico, se é que todo mundo
quer isso. Nem sempre funciona. Mas, às vezes, funciona. A pessoa já tem pouca
vontade, e pouco incentivo para algo diferente, e aí sempre parte para o mais
fácil que é balançar o rabinho. Todo mundo tem que ter o direito de escolher. E
as pessoas não estão tendo, ou não estão querendo tê-lo, ou escolheram isso
mesmo. Aqui é um lugar em que não se pode apenas ser artista. Para você ser
artista tem que puxar o saco de todo mundo, tem que ir numa porção de festas,
não pode falar nada que todo mundo se ofende. Não pode pisar na bola. Tem que
ser bonzinho. Eu não sou assim. Tenho as minhas vacilações. Sou fechado.
Tímido. Mal-humorado. Pareço o Fernando Pessoa do Poema Em Linha Reta. O
artista aqui tem que fazer projeto social e não pode se preocupar apenas com a
sua arte. Digo de segmentos não populachos. Que com os outros a eles nem se
preocupam. É maior saco! Aí te boicotam, e tudo isso vai enchendo o saco. Eu já
não gosto de sair de casa... O Ferreira
Gullar disse numa palestra se referindo ao Van Gogh que quando chegasse a hora de cortar a orelha, ele pulava
fora. Eu acho que eu também. A última coisa que fiz foi gravar
quatro músicas na semana passada. Mas ninguém escuta, está todo mundo sem
tempo, então é mais fácil ouvir o que toca por aí, e que foi escolhido pela
maioria. Sou um workaholic.
Mas às vezes entro numa prostração. Faz semanas que não escrevo nada. Não crio
mais nada. Só não deixo de tocar minha viola, ler e ouvir música todo dia. Mas
nem sei se vou produzir mais. Pois tudo que faço no momento eu penso estar
aquém do que poderia ter feito. Até porque sou compulsivo, e muita coisa que
escrevo corresponde a um momento. Mas depois sempre me arrependo. Igual o Raul
Seixas dizia ter medo de escrever na música Paranoia. Digita Delano Valentim no
Google e vê a quantidade de coisas que eu já fiz. Mas a Fluoxetina e o
Clonazepam também me ajudam a seguir. Junto da paz de deus, é claro.
JCA - Quais são as suas influências culturais?
Entende-se em todas as áreas: musica, literatura, poesia, artes visuais, etc.
DV - As minhas principais influencias estão na
literatura (leitura em geral), música (quase tudo) e cinema (pouco, mas
significativo).
JCA - Em uma entrevista que você concedeu a TV UERJ (veja
logo abaixo dessa entrevista.n.e.) você falou que seus escritos, em um modo
geral, não falam apenas da condição social, mas em condições comportamentais do
modo de vida das personagens que tratam o livro e o blog. Do cotidiano. Muitos
cronistas trataram disso e de uma perspectiva suburbana, como o caso de Lima
Barreto. Tirando a questão temporal (se isso é possível), quais as semelhanças
e diferenças com seus trabalhados sejam eles textos ou musicas.
DV - Não consigo diferenciar meu
trabalho literário do musical. Como já disse, trabalho em função de
ideias. Às vezes uma delas se apresenta
melhor em determinado formato. Por exemplo: eu faço cinema, e já fiz teatro; e
essas possibilidades estão sempre abertas. Embora pense que as minhas musicas
seriam facilmente trilha sonora dos meus romances. Acho Lima Barreto
interessante, João do Rio, Nelson Rodrigues, José Louzeiro, coincidentemente muitos jornalistas Serendipitosos, Hunter Thompson, Gay Talese, George Orwell,
Garcia Marques, Mario Vargas...
JCA - Você se considera um poeta?
Não somente um poeta de declamação, mas da musica, como às vezes é de fato o
que ocorre em exemplos como as capelas dos rappers?
D.V. - Eu me considero um letrista. Mais letrista do que qualquer
outra coisa. A literatura eu acho coisa dos deuses, e muito distante de um
reles mortal como eu. Mas escrevo. Eu tenho os meus ídolos letristas,
intocáveis. Desenvolvi muito essa função de letrista. Gosto de escrever dentro
de estúdio. Gravar na hora. Adoro esse desafio. Mas também gosto de escrever
conto, crônica, ensaio. E romance quando o coração está na boca. Só para
lembrar, no Brasil estão os maiores letristas do mundo. Cartola, Noel, Chico, Brown, Caetano, Raul, Renato, Jorge Aragão,
Arlindo Cruz, Belchior, Zé Ramalho... enfim...
JCA - Você tem contato com outros rappers cariocas?
D.V. - O pessoal que eu conheço da antiga eu vejo por
aí em ponto de ônibus de vez em quando. O pessoal mais novo eu escuto as
músicas, ouço falar, mas às vezes não consigo ligar o nome a pessoa. Não vejo
ninguém em eventos porque quase não saio de casa. Quando saio dou um pulo na
Lapa, ou em Madureira. Mas isso é muito raro. Aqui na Penha conheço gente que
canta, gente que não canta. Mas gente ligada à cultura. Estou sempre trocando
ideias com eles. O meu amigo Brou (o
mesmo que me ajuda a divulgar os livros), e o meu amigo Mais Preto (tenho uma música com ele) que são instituições em se
tratando de hip-hop. O meu trabalho hoje é solitário mais por causa de
timidez. E do cansaço ou da preguiça de correr atrás dos outros. Embora já
tenha trabalhado com muita gente, até mesmo em bandas. Às vezes vem uma
melodia, ou uma letra, e eu corro para o estúdio pra gravar sozinho. Mas
teve um DJ gringo, D.A. Cruz, ele é
lá de Luxemburgo. A gente nunca se viu pessoalmente, e ele tem lá maior
trabalho bacana. Ele fez uma porção de remixes das músicas, e me amarrei. Os
clipes são a mesma coisa quando o Dudu que
é o cineasta da área arruma uma câmera, pois a minha quebrou, a gente diz. Vamos
pra rua. E a gente grava alguma coisa.
JCA - Como você se definiria como agente de sua produção cultural?
Artista, poeta, escritor ou musico?
D.V.- acho que eu sou
uma pouco de cada coisa.
JCA – em um texto seu no blog, “Perdi A Minha
Primeira Gravação...”, você fala de uma fitinha e de um tempo em que se
perguntava “você é do hip-rock?”. Inevitavelmente me vi revivendo situações que
para a juventude de hoje, seria uma piada. “Como uma fitinha K7 poderia ser
porta de entrada para grandes gravadoras como ao mesmo tempo poderia ser mero
material para o cesto de livro?” – eles perguntariam - Hoje, praticamente não
precisamos da MTv, porque temos o You Tube; não precisamos de gravadoras porque
gravamos nossas canções na própria casa; e ainda, podemos publicar livros hoje,
de boa qualidade em gráficas com custo viável a nossa realidade econômica sem
ajuda direta das editoras. Como foi o processo de publicação de Todo mundo
Jhow! ?A propósito, quem é da antiga, sabe o que esta palavra significa né?
D.V. - Publiquei a
primeira tiragem do livro com recursos próprios. Cem copias que rodam por aí e
que algumas pessoas me ajudaram a divulgar. Um amigo conseguiu que umas quinze
pessoas lessem o livro aqui na Penha. E tive uma feedback positivo da maior parte delas, o que foi bastante
estimulante. Ganhei o premio de melhor romance da Secretaria de Estado da Cultura para os Novos Autores Fluminenses.
E tive o livro publicado pela Móbile Editorial. Com certeza os da antiga sabem
o que significa Jhow. Agora nem sempre essa facilidade de produção, significa
algum tipo de retorno. Existe um trilhão de coisas na internet. É muito difícil
mudar isso. É outro mundo. Verdade. O cara que participa do establishment ainda
sai na vantagem. E isso independe de julgamentos, digamos de “qualidade”. Que
são julgamentos abstratos. Mas que nós sabemos que a verdade é que a maior
parte das coisas que existem por aí são merda mesmo. E que é tudo uma questão
de gosto. Ou seja, mau gosto. Embora prefira acreditar que seja falta de
educação e cultura mesmo. O seu amigo pode achar a tua música a
coisa mais foda do mundo. Mas dificilmente, a não ser que ele seja muito ligado
à arte, ele não vai andar com o seu som por aí pedindo as pessoas para ouvir.
Pois a maior parte das pessoas vai para a internet ouvir, e assistir aquilo que
elas já estão vendo e assistindo off-line. Eu entendo isso, é o medo da
solidão. Também sinto esse medo. A internet pode ter mudado o mundo. Mas o ser
humano não mudou. São poucos os que se interessam por coisas inéditas.
Mas sem dúvida nada que se compare aquele tempo. Hoje em dia é muito mais
fácil. Mas pensar que é só ter um trabalho na internet que terá um feedback
dele é ilusão. Ou depende dá sorte mesmo. Mas tem um ou outro maluco como você
que presta atenção no trabalho dos outros. E vira um puta incentivo.
JCA - Em uma entrevista, você
declarou que filma seus próprios videoclipes. Como é o seu processo de produção
como um todo, Delano? Desde as gravações de suas musicas, vídeos e produções
literárias? E ainda: faça uma comparação desses dois períodos que são da
pré-internet até este momento.
DV - cara eu sou um artista
de pegar e fazer. Eu sigo muito aquela tradição da cultura pop, da
contracultura. É saudosismo, sim, claro. Mas no sentido da experimentação. Sinto
falta de algo “mal acabado”. A arte tem se tornado muito plástica, muito
ensaiada. Todo mundo toca muito. Muita tecnologia... Boa parte dos shows que se
tem por aí são chatos, e previsíveis, é isso. Falta mais improviso. Acho
que foi Nietsche que disse que o do
futuro teria que ser mais inteligente, pois teria mais informação, é óbvio.
Hoje se tem mais acesso. Mas se tem pouca autonomia. Pouca compreensão. Erich Fromm falou que iria chegar um dia
em que os autômatos não precisariam ser vigiados por soldados. Esse dia chegou.
O cara entra na internet, que é uma Biblioteca de Alexandria, e vai ver fofoca
da vida de artista. Ou fica no Facebook se dizendo entediado. É isso que está
acontecendo. Hoje você tem a internet, até tevê a cabo dentro de favela, e a
maioria não quer ouvir nada diferente. Não é todo mundo, mas é a maioria
esmagadora. E isso joga a arte na mesmice. E no mercado de música pop que vai
se baixando ao nível da compreensão das pessoas que é quase nenhum. Então fica
difícil divulgar um trabalho diferenciado que não faça parte do establishment.
Mesmo que a produção seja razoável. Sei que é chato falar sobre isso, mas
alguém tem que falar. Também me incomoda ter que falar sobre isso.
JCA - Se pensarmos no contexto
histórico, no que o Blues e até mesmo o Jazz, nos Estados Unidos são o que são,
é porque tiveram suas origens na Diáspora Africana no que resultou na cultura
Afro americana; e até mesmo na Inglaterra o Ska se junta a cultura Britânica
apreendida por jovens de classe operária, que se identificaram com aqueles
imigrantes das colônias britânicas. Você acha que a nossa Afro brasilidade
também se encontra nos guetos e nos morros suburbanos, talvez instalados no DNA
histórico em que sucedeu a erradicação compulsória dos recém-libertos
afro-brasileiros para estes morros? O artista periférico contemporâneo talvez esteja finalmente
se confrontando e buscando aí a estética fora daquela centralizada pela polis?
DV - Embora eu ache estranha evasão dos centros de
macumbas das favelas em detrimento de outras igrejas. Penso que a nossa cultura
tem que seguir um ponto em que consiga mixar o moderno e o clássico. E
que no dia 20 de novembro se comemore ao som de rap, e da dança de rua que já
fazem parte da cultura negra suburbana, assim como o Mano Brown deve ser considerado um exemplo de Zumbi dos Palmares da era tecnológica. E que não se fique apenas
batendo tambor. Que essa molecada que está aí com tablet na mão não entende isso, e tem horror a tudo que é “velho”. Então
tem que se negociar, e viver a realidade. Pois como diria João Gilberto, Chega de Saudade! E não ficar esperando o tempo
passar para depois reconhecer que aquilo era legal, e depois ficar estudando.
Nós brasileiros somos muito tradicionalistas. Muito conservadores, talvez por
um ranço da intelectualidade de esquerda europeia que veio nos dizer que o
bonito que a nossa cultura seja mantida uniforme. A escola de samba evoluiu,
mas o samba não evoluiu. A favela no Rio hoje é funk, forró de teclado, pagode
mela cueca, e louvor. E depois vem os outros. Samba de Raiz é coisa de Lapa, e
de estudante universitário. Mas todo tem que ter o direito de se saber o que é Mozart, quem é Shakespeare, Chico Buarque, pra poder ter o direito de escolher.
Mas sem ficar chato. Sem ficar bocejando na ópera. E sem se tornar uma
obrigação. E sem aquele discurso de que se eu não tocasse violino, eu seria
bandido. Mas tem que se ter escolha. Oportunidade. Que hoje, aparentemente, a
maioria não tem. Basta ver o número de analfabetos funcional.
JCA – saiu há pouco tempo uma
matéria sobre “os intelectuais da periferia
(http://farofafa.cartacapital.com.br/2013/07/30/os-intelectuais-perifericos-pedem-passagem/). Em que encontravam-se incluídos na linha de frente Mano Brown e o Hip-hop como
movimento formador desses pensadores “orgânicos” como diria um pesquisador
citado na própria matéria. Como letrista, poeta e escritor, formado pela
cultura Hip-hop, como você se enquadraria nesse contexto? Como de praxe este é
o espaço que você poderá comentar, acrescentar ou até mesmo fazer alguma
pergunta que gostaria que te perguntassem. É seu.
DV - Olho, eu me considero pertencendo a esta
cultura também. Ela ajudou na minha formação. Assim como a literatura, o rap e
outros estilos musicais foram extremamente importantes para a minha formação.
Diferente das escolas que acabaram com a minha autoestima. Esse foi o meu
caminho, e o caminho de uma porção de gente, através da música, da leitura, não
para ficar rico, mas para ter uma educação privilegiada. O melhor é ter o
acesso através dos livros ao pensamento de grandes homens. Fui educado como ser
humano. Não para não sofrer, não para não errar, ou para ser eternamente feliz.
Mas para parar e observar. Colocar na balança. Tentar compreender. Tentar melhorar.
Agora eu levo a cultura a sério. Embora todo homem honesto seja contraditório,
como diria Fellini. Sei que ainda estamos saindo de nossa
condição animalesca, por isso não sou pessimista. Mas temos sempre que analisar
a sociedade como um todo, temos que falar de saúde, educação, segurança,
filosofia, história, psicologia, e isso demanda tempo. Precisamos de tempo! E
por falar em tempo, obrigado pelo tempo daqueles que se dedicaram a ler esta
entrevista.
Entrevista concedida via e-mail entre os dias 08 e 17 de agosto de
2013.
Veja entrevista com Delano Valentim ao programa Andante! pela TV UERJ
Outros links sobre o artista e sua obra:
http://delanovalentim.blogspot.com.br/ leia
alguns trechos abaixo:
“(...) uma vez assisti ao
vídeo de uma mulher se afogando, um cara ajudava com uma das mãos, e com a
outra segurava a câmera. quanta briga e estupro podiam ser evitados se o cinegrafista
amador esquecesse o YouTube.” - Ninguém
Vê Nada, Todo Mundo Filma Tudo...
“(...)as outras duas
senhoras disseram que haviam andado muito. eu me senti um privilegiado por
minha casa ficar perto do posto. elas disseram que haviam saído sem tomar café,
e que tavam sem um puto no bolso. eu me senti rico com dois reais no bolso. a
minha timidez não me permitiu perguntar o preço do café, propor um café
comunitário, e quem sabe, dividi-lo em copos plásticos, ou melhor, descartáveis.
uma delas disse: não sei porque o médico me mandou pra cá, só porque eu disse a
ele que sinto vontade de chorar toda hora. um rapaz perguntou: a fila dos
malucos é aqui? pensei, só quero a receita...(...)” - A Saúde Mental Da Penha No Posto Onze...
“(...)cai pra um sindicato
ou pra uma associação. ainda mais se for algo cultural, sempre rola um pessoal
marxista, meio cristão, que fala de ditadura, usa barba, e é magoado com o PT.
mas o melhor de tudo, socializa o café. pergunta sobre futebol, eles adoram
falar sobre futebol para se sentir parte do proletariado. faz alguma pergunta
imbecil sobre alguma coisa que não se resolve ali, e cai fora. o cafezinho do
Ecad era o melhor que existia.” -
Guia De Sobrevivência No Centro...
“(...) Eu Nasci Há Dez Mil
Anos Atrás. este chileno vei paro o Rio junto de uns peregrinos que vieram
atrás do Papa, e acabou ficando por aqui. hoje ele trabalha na pastelaria de um
chinês, e aluga um barraco na favela do Mandela. estou num canto do boteco com
o meu violão encostado, e vendo a cerveja esquentar a minha frente. o casal ao
lado briga por causa de uma revista que está em cima da mesa, e que tem uma
matéria sobre um ator que diz ter compulsão sexual.” - Tem Cura Para A
Compulsão Sexual?