segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

ARTE E TECNOLOGIA: INTERAÇÃO ENTRE O PÚBLICO E O OBJETO DE ARTE.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012


Introdução:

O presente texto tráz a historicidade da cultura dentro do âmbito das artes. Seu conceito empregado como sentido tecnológico de interação entre o público e a arte; Sua jornada surgida na aurora da humanidade; Como a sua tecnologia irá se comportar diante da interação arte e publico, tal como a localização do artista nesse processo.  O museu tendo que se estender as galerias para se adequar a novos códigos de entendimentos e cujos códigos, tentaremos entender dentro desse ambiente de interação e espetacularização. Se a quebra da aura no objeto de arte e sua subjetividade dentro do âmbito fotográfico, gerará jurisprudência a obra de arte até aquele momento.


O avanço tecnológico do objeto de arte em si:

Quando falamos sobre Arte e interação, automaticamente fazemos uma análise direta com os mecanismos de tecnologia da era moderna. O que a principio não seria um erro, mas seria preciso entender a tecnologia durante toda a sua caminhada juntamente com a humanidade. Ou seja, entende-la como de fato esta palavra significa em sua etimologia:
“inicialmente, a palavra Cultura vem do latim colere, que significa cultivar.” (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).
Edward B. Tylor vai definir como:
“aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. 
Há uma definição de outro sentido antropológico. Cultura é:
(...) o conjunto de experiências, realizações e conhecimentos que caracterizam determinado povo, nação ou região. (...)” (Evanildo Bechara – minidicionário da língua portuguesa).
Temos também uma definição que mais se aproxima do que pretendo abordar aqui. Que seria o sentido de “técnica” empregada como na agricultura, por exemplo, que se estende a toda produção material seja ela de qual for sua finalidade. Aqui no caso, a cultura empregada na arte. Mas no sentido mais amplo podemos assim dizer que cultura está ligada diretamente às ciências humanas e suas tecnologias desde aurora do homem. Em outras palavras o homem já desenvolvia sua tecnologia antes de se ter total consciência de seu próprio desenvolvimento. Em toda a complexidade que envolve o significado da palavra cultura, temos a religião, a arte e a intelectualidade como transmissores de tecnologia imaterial. A arte torna-se cultura material conforme o próprio desenvolvimento humano. É claro que nessa aurora da humanidade, todos esses elementos culturais estavam ainda intrinsecamente ligados a um único “conceito”, mas que mais tarde, através dos pré-socráticos e depois da filosofia ambientalista platônica e normativa aristotélica, passam a proceder aos conceitos institucionais (aqui vemos a evolução mais clara em termos tecnológicos dessas culturas). Assim, esses conceitos ficam claros dentro de um sistema institucional e social.
Mas como é aplicado esse conceito de cultura como evolução tecnológica nessa interação do publico com a arte? É no decorrer da história da arte, assim como na história da humanidade, o objeto de arte vem sofrendo novos significados de forma e conceito.  O que parecia mimeticamente representação havia também questões bem mais que estéticas. Esse objeto sempre buscou sua funcionalidade dentro de um contexto social como foi à arte egípcia e romana na idade média (fins politico-religiosos); a arte grega (propaganda do belo para formação de corpos jovens e perfeitos cujo objetivo poderia ser os jogos olímpicos e preparação bélica); e renascentista ao pré-modernismo (ascensão da burguesia ao poder social). O poder tecnológico da historia da arte sendo mediado por outra força tecnológica criada para trazer o objeto de arte à apreensão do publico como ato normativo e de propaganda. Com isso, esse objeto, também vem sofrendo seus avanços com a mesma intenção de interação àquele, cuja mensagem deve ser transmitida. Vemos isso claramente em suas transformações estéticas e conceituais que é de bem antes das radicais transformações da própria revolução industrial. É claro que até esse momento não havia uma intenção tão radical dessa ruptura que culminou com a arte moderna dado que tais transformações foram pouco depois da tomada social da classe burguesa e da posterior crise do museu. Isso mostra que a própria arte, para se adequar as transformações de toda a história do homem, ela própria vinha transformando todo o seu aparato tecnológico para se adequar sempre a um novo público. O próprio museu teve que mudar suas características arqueológicas como catalogador de objetos exóticos que nada mais eram que pilhagens de guerra vinda de países colonizados por seus colonizadores. O museu passa a servir como expositor de obras de seu próprio tempo a partir da era industrial. Mais do que isso, ele se vê obrigado a quebrar a linha histórica dessa catalogação também devido ao surgimento da galeria. Mesmo assim, ainda havia certo conservadorismo que mantinha este distanciamento do publico com a obra de arte.
Eis um trabalho de Land Art de Robert Smithsonao clicar  em seu nome você terá acesso a um site bastante interessante sobre o assunto.

No texto A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, Walter Benjamin, através do surgimento da fotografia vai falar da quebra dessa aura que envolvia a obra de arte, principalmente das obras clássicas. No outro extremo da história da arte o site specific parte para o campo ampliado da galeria como interação espacial. Apreendendo inclusive o que estaria fora do cubo branco. Lá, ele encontraria um diálogo com a land art. A obra não só se adaptaria ao espaço do cubo como, além da apreensão de uma arte urbana, interagiria com o próprio ambiente. A fotografia, outro aparato evidente e objeto de inúmeras discussões na História da Arte, resgata a aura no plano subjetivo, ou seja, fora do objeto de funcionalidade e ainda mais, distante do que seria uma “possível origem” desse objeto. Em certos casos, a fotografia, mesmo em sua condição de registro, adquire ao mesmo tempo condição estética no mesmo momento. Como seria o caso de performances instalativas no próprio espaço de exposição.
Mas esta quebra de Walter Benjamin seria tão retroativa a ponto de que o publico pudesse intervir nas obras anteriores a este momento de seu texto? Ou então, a partir de agora, as obras subsequentes estariam em aberto à interação direta do publico?

Avanço tecnológico de interação arte público:

vanguarda Grupo do Rosário (participação não consciente do público em performance arquitetada pelo grupo que na época era vanguardista). 

A interação aqui entende-se não apenas no sentido de participação passiva, como vimos no texto O cubo branco, em que Brian O’Doherty, através de um trecho do livro de Lucy R. Lippard, o trabalho, que até então era um trabalho de arte experimental, do artista Graciela Carnivale e de seu grupo de vanguarda Rosário, conta com a participação “não consciente” do publico no intuito de criar sentimentos negativos quanto ao que estavam sendo submetidos. Atitude essa que parece não fazer parte da concordância do próprio  O’Doherty. Mas que não afasta a sua análise parcial, colocando inclusive no ponto de do expectador quando diz:

 “Ao transformar o que está na galeria – que resiste à transformação – nós nos tornamos criadores facilmente. Nisso, somos nós mesmos tornados arte, afastados da obra mesmo quando a transformamos.” (pag.116).
Sim, fica-se claro que a própria obra de arte precisa se adaptar. Transcender para outro plano. Marcel Duchamp põe todas estas questões em cheque quando questiona o espaço da obra de arte no lugar de exposição. Mas voltando a Walter Benjamin, seria a fotografia como cópia e perpetuação do ato do artista, como bem vemos registros de suas performances que o próprio Benjamin legitima ou a própria interação publico obra que aparentemente o cubo branco libera seriam sintomas de transcendência tecnológica? Ao que parece, a obra de arte se popularizou com o advento da internet. Bem antes disso, trouxe a visualidade aos livros e depois disso, as aulas sobre arte tornaram-se também visuais. Talvez esse tenha sido o beneficio de apreensão imediata sobre o que antes, estava até mesmo distante do imaginário de grandes teóricos da história da arte. Mas também é bem claro que o publico de uma forma geral, mesmo com este distanciamento de pedestal das obras dito eruditas, a imagem disseminada jamais poderia suprir a experiência do devir diante dessa obra intocada que até então permanece intocada por questões de sua própria fragilidade diante do tempo.  Sua aura sofre o desgaste pela própria exposição como cópia da cópia no mundo tecnológico. Porém, a experiência de se estar diante da obra clássica ou pós-clássica, jamais seria substituída e se esta experiência como tal não sofre tal despensa, a obra de arte ainda mantém sua aura de conservação temporal sem contar, é claro, da própria experiência acima mencionada do estar diante da pincelada do artista. Enquanto isso, no cubo branco, a relação do publico com o objeto parece ser uma troca pela experiência da performance como foi experimento do Rosário e o resultado foi que

 “Os ocupantes da galeria vazia assumiram a condição de arte, tornaram-se objetos de arte e se rebelaram contra seu status. Durante uma hora houve uma transferência do objeto (onde está a arte?) para o sujeito (eu).” (pag.119).
Marcel Duchamp foi bem mais longe do que apenas questionar a materialidade do objeto estético do objeto funcional dentro da galeria de arte. Ao expor  sua "A Fonte", ele também nos obriga a questionar a própria espacialidade do objeto de arte dentro e fora da instituição. 

Sem um acordo prévio entre o artista e publico não há pacto. Como essa troca se deu sem esse pacto? Pelas emoções exploradas do publico que se submeteu pela total ignorância.  No meu entendimento sobre o texto de Brian O’Doherty, ele levanta a questão ética neste ato em si parecem que foram, de alguma forma, perturbadas colocando a relação público artista numa atmosfera densa mesmo após a experiência.

Espetacularização: Técnica X poética.

Todo o sistema institucional promovido pelas galerias, museus e exposições em geral teve o seu potencial adquirido ainda com os avanços tecnológicos cujo simulacro substituiria a experiência real ao expectador abolindo a impressão do primeiro momento: o devir (ou o espanto). Vê-se que essa quebra da própria desconstrução do expectador como decodificador de sua própria subjetividade relacionada ao devir do objeto de arte, passa-se a ficar comprometida, sujeitando-o aos novos códigos, geralmente imposta por uma teoria da arte que somente dessa forma tal objeto teria “efeito” sobre seu publico. Se com a quebra da aura o objeto de arte passa a depender de um significado além de sua fisicalidade, aqui a sua representação como potência estimuladora passa a depender não mais da sensibilidade subjetiva do seu publico, mas de todo um aparato de códigos estipulados por um determinado pacto social e de igual forma seus agentes simuladores (ferramentas e programações tecnológicas) passam a propor novas experiências externas que vão atingir os sentidos, só que apartados da sensibilidade poética.
“toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo que era vivido diretamente tornou-se uma representação.” Guy Debord – sociedade do espetáculo (pag.13).
A representação sobrepõe, em fins de imponência a anulação de qualquer sentimento interiorizado. As simulações servem para manter a interação da rede de indivíduos.

Código como relação de poder. Isso é interação? - as teorias da arte como efeito ao seu publico:


Se espetáculo é o convite dessa interação, a questão “artista-sujeito-objeto-publico=manipulação”, deixa de ser a real preocupação.  Uma nova relação está estipulada na arte contemporânea.  Porem não é suficiente para dialogar com a pluralidade que o publico possa vir a ser:
A própria separação faz parte da unidade do mundo, da práxis social global que se cindiu em realidade e em imagem.  A prática social, diante da qual se coloca o espetáculo autônomo, é também a totalidade real que contém o espetáculo. Mas a cisão dessa totalidade a mutila a ponto de fazer parecer que o espetáculo é seu objetivo. A linguagem do espetáculo é constituída de sinais da produção reinante, que são ao mesmo tempo a finalidade ultima da produção. Guy Debord – sociedade do espetáculo (pag.13).
O próprio espetáculo é o resultado de sistemas cada vez mais impenetráveis que também são resultantes de um sistema ainda maior: o capitalismo. Também para Pierre Bourdieu, a indústria do espetáculo já possui seu publico alvo cujo critério se faz necessário de um capital prévio. O capital herdado ou um capital adquirido pelas instituições de ensino e em especial as acadêmicas. Sem esses critérios, a própria falta de esclarecimento na própria legenda da arte compromete esta possível “interação” o que pressupõe quebras de velhas etiquetas herdadas do conservadorismo erudito museológico. Além disso, a própria exclusão de um determinado público que ainda se mantem distante das exposições por ainda não pertencer a este seleto grupo detentores de tais códigos. Compromete-se, assim, o que Burdieu chama de “necessidade cultural”.

O que é raro não são os objetos, mas a propensão em consumi-los, ou seja, a ‘necessidade cultural’ que, diferentemente das ‘necessidades básicas’, é produto da educação: daí segue-se que as desigualdades diante da Escola que cria a ‘necessidade cultural’ e, ao mesmo tempo, oferece os meios para satisfazê-la.” Pierre Bourdieu – obras culturais e disposição culta. (pag.69).
Mesmo assim, não fica claro o limite de interação objeto publico, mesmo para àqueles que detêm tais códigos. O artista contemporâneo se distancia de seu publico. Tem como intermédio as instituições (galeria e museu) e a curadoria. Vemos que a legenda se perde neste diálogo, gerando equívocos e o que era para ser integrado passa a ser restrito. Assim como é restrito a um determinado publico diante de um sistema que o separa tanto espacialmente quanto fisicamente da obra de arte, temos um publico inserido no sistema, mas que ainda não entende do porquê do mesmo objeto de arte o convidar a interação num determinado momento e no outro estipular uma zona de distanciamento.  Nos dois casos, quem ainda sai perdendo é o primeiro publico que diga-se da passagem não ser verdadeiramente um publico, mas uma classe a parte do sistema, mas que faz parte de um outro tipo de espetáculo. De um outro simulacro.

Conclusão:

Diante de um sistema pré-determinado de “interação” publico-obra-publico, o artista fica fora do ciclo. Mantém o distanciamento de uma relação que não lhe é mais pertinente. Em seu lugar, a “espetacularização” é o instrumento que cabe às instituições, esses, cada vez mais competentes dentro desse sistema, como museus, galerias e curadoria.
No entanto, a falta de clareza nessa espetacularização deixa lacunas nesta interação: O artista abandona a põesis e se aprofunda na pura tèknêjogando para o conceito o debate de sua obra. Entendo aqui que com os avanços tecnológicos na pré e pós-revolução industrial ficar-se-ia evidente que os sistemas do mundo da arte caminhariam bem mais para além da contemplação.  
Porém, este próprio sistema de artes parece não conter uma verdadeira evolução ou transcendência nas ciências humanas quando tratamos que seu circuito permanece fechado para determinadas classes sociais (e em especial as classes socioeconômicas menos privilegiadas). A sua divisão do que seria essa arte, distanciada do popular através desses códigos herdados (familiar) ou apreendido (academia) se contradiz com a pretensão de necessidade cultural ou “circuito aberto”. Tendo em vista que esbarramos dentro de um sistema histórico de não manutenção de ensino fundamental e fomentação cultural.
A interação por ser interação precisa começar explicitando sua legenda e realmente tratando um diálogo entre seu publico diante de uma formação seja pela educação ou simplificação de seu próprio código. Para isso, seria preciso rever seu conceito de “circuito aberto”. A tecnologia seria o instrumento para a viabilizar esse entendimento.

A problemática da falta de entendimento do público com a arte contemporânea no que tange sua interatividade parece estar bem mais além do que o capital cultural  adquirido.Seria a falta de legenda "no rodapé" da própria obra de arte?


Bibliografia:
  


No interior do Cubo branco; O’Doherty, Brian;
A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica; Benjamin, Walter;
Minidicionário da língua portuguesa; Bechara, Evanildo;
Sociedade do Espetáculo; Debord, Guy;
Obras culturais e disposição culta; Bourdieu, Pierre;
A distinção; Bourdieu, Pierre;
Sobre as ruínas do museu; Grimp, Douglas.

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