quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O crime do funk carioca.

por Júlio César dos Anjos

“O funk não é modismo
É uma necessidade
É pra calar os gemidos que existem nessa cidade”- Rap do Silva

 
Se existe algo perigoso no funk carioca é porque ele reclama sua própria existência. Seu grito é o grito dos despossuídos. Dos sem teto. Dos assalariados. Dos indigentes que são encontrados sem vida (desvalidos) por nossa cidade, produtos da urbe.  É também o grito de nossos ancestrais que foram torturados e martirizados nas obscuras senzalas suburbanas de nossa “cidade maravilhosa” em séculos passados. É também uma mistura de ritmos de várias épocas e vários lugares. Uma espécie de mixer. Este grito é como a vida. Ela é mortal; o funk também é. Ela é sensual; o funk o é. Ela é fome assim como o funk. Seu sensualismo é tão erótico, mas tão explicitamente erótico que nos faz virar a face para o outro lado. Ele nos faz encarar aquilo que tentamos ocultar em nossas vestes morais. Das mascaras de nossos pudores somente revelados em nosso âmbito privado. E aqui não só se revela o erótico, mas a face dos vícios. Daquilo que realmente somos. Os monstros põem as mascaras pra não serem revelados pela luz prateada do luar social. Poucos possuem esta coragem. A grande maioria se esconde em grotescas caricaturas do permanente. Agem como idolatras do absolutismo pós-modernista. Nada mudou. Os preceitos foram quebrados para se erigirem novos preceitos. Estes, mais resistentes e inabaláveis.
A libertinagem do funk carioca é tudo que queríamos viver como viveram os antigos. Essas civilizações menos pudicas que agora se encontram refletidas nos ritmos frenéticos dos corpos. Corpos que libertam nossa sexualidade oprimida.
Aí está o perigo. Um perigo que preocupa as autoridades puritanas e outras entidades mais conservadoras. Por isso, esta associação com determinadas atitudes criminosas como se a musica fosse de fato combustor desta.
Mas não é a primeira vez que a musica, que na verdade nos inspira seja qual for a sua natureza, tem seu papel de pivô. Basta dar uma boa olhada em nossa história ao depararmos com a musica punk, o ska e tantos outros ritmos que um dia foram ou ainda são underground.
Seria o funk carioca a nossa real libertação? Não creio tanto. Mas creio que ele nos libera de fato. Nos libera não somente de nossos pudores, mas de nossa própria existência. Porque ele também é queda e principalmente morte. Porque o prazer é morte.  É ruptura dos sentidos exaustos por irradiarem-se. É o nosso aniquilamento sem metafísicas, mas dentro da metafísica. É a morte como fim e exclusivamente o fim e paradoxo com a vida. Com ele (o funk), esta ambigüidade metafísica se anula com toneladas de chumbo em nossas cabeças. Não há, de fato, metafísica e muito menos metáfora nisso. O funk carioca é a canção do sexo e da morte. No tiro do fuzil e no sensualismo semi-erótico das cinturas, pélvis e bumbuns cariocas. Ele nos oferece prazer, mas nos dá também a dor. Nos dá a diversão, mas também o aniquilamento. Há uma liberdade nisso que está fora de qualquer estratificação social. Eu ainda ouso dizer que não tenho competência para falar sobre isso. Ainda sou cheio de pudores socioculturais embora muito dos adeptos do funk o são e o tem como um rito dessa já mencionada libertação (e liberação). Ainda assim eles possuem mais coragem do que eu e você juntos.
O funk carioca é responsável pela violência que assola nossa cidade? A única coisa que eu tenho certeza é que não é a musica que aperta o gatilho contra as nossas cabeças. São na verdade, nossas próprias cabeças. Alimentadas por nossas índoles.

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