Isabelle Stengers, editora Pazulin, 55 páginas, coleção Ágora.
Sou muito grato a minha ex-coordenadora, diretora de teatro e atualmente diretora do Instituto de Artes da UERJ, Denise Espirito Santo por me indicar este livro na época em que ela planejava fazer uma peça contemporânea sobre ou que fosse baseada nos moldes do mito de Medéia. Lamentavelmente, o projeto não foi adiante. Ela havia emprestado (aos envolvidos) este pequeno livreto de pouquíssimas páginas, mas que, acreditem, vale mais do que muitos livros de mil páginas existentes por aí.
O livro de Isabelle Stengers é teórico. Mas por se tratar do campo teatral sua poética é livre e descompromissada do academicismo. Ele vai tratar do mito de Medéia totalmente abdicado do drama como futilidade. Não é o ato dela que vamos julgar, mas as suas razões e é aqui que encontraremos a sua beleza. Medéia não foi egoísta diante de seus atos. E por isso não devemos julgar seus atos como atitudes mesquinhas. Ela simplesmente se fez ouvir. Foi tanto que seu grito ecoou em nossa contemporaneidade. Quem mais não o faria sob o risco de ser apagada da história? Da vida na polis?
Um livro histórico, mas ao mesmo tempo contemporâneo, pois trata da mulher pós-moderna. Sua importância nas várias funções sociais e existenciais na qual está submetida. Sua reclamação póstuma a morte de gaia pelo deus monoteísta judaico-cristão; construído cuidadosamente pelo patriarcado vigente em nossa visão ocidentalizada e que na qual a mulher aqui é tratada justamente pela escritora como sacerdotisa dessa deusa Elemental.
Em suma, Lembra-te de que sou Medéia é um livrinho pequeno, mas pungente. Que deve ser lido por todas as mulheres, pois, estas precisam se reconhecer e reclamar sua existência no mundo atual assim como também deve ser lido por todos os homens para que pensem muitas e muitas vezes antes de atentarem qualquer coisa contra estas verdadeiras divindades vivas que são nossas Medeias de cada dia.
Tive que tomar coragem ao largar da livraria onde trabalho seis horas por dia para encarar a exposição Impressionismo – Paris e a modernidade. Obras primas Musée d’Orsay.Aqui não vou me ater a detalhes da exposição por julgar que de fato não vale tanto a pena. Minha frustração ainda foi maior porque além das minhas seis horas em que trabalho em pé, ainda tive que encarar mais duas horas e meia em pé para entrar no prédio e outras 30 para adentrar as salas de exposições. Isso tudo para que as minhas expectativas e assim acredito a dos outros milhares de expectadores que diariamente saem de suas casas para visitar os nossos impressionistas não fossem correspondidas.
A começar pela má distribuição dos quadros. Alguns até uma vã tentativa absurda de nossa contemporaneidade de se encontrar diálogos de pintores como Monet e um outro pinto que como menor importância - e não porque este tem menos importância no cenário impressionista mas dada a importância aos mais “importantes impressionistas” segundo nossos critérios atuais. O que quero de dizer que este diálogo desnecessário era como eu disse antes, uma vã tentativa de apresentar-se pelo tema e não simplesmente pela cena impressionista que já estaria de bom tamanho. Tenta-se diminuir a escala de importância de Monet para com esse pintor que infelizmente não me recordo mas como se fosse de fato necessário por em diálogo como compensação. Acho que isso não importaria porque cada impressionista tem de fato sua importância.
Outro detalhe é que a própria história do museu fica retida apenas na primeira parte da exposição onde poderia ter sido mais explorada dada a sua importância histórica.
Mas o maior agravante é sem duvida as paredes de vidro colocadas sobre as telas, presas as molduras que separavam a pintura do expectador. Por si só tal iniciativa dos organizadores do evento já soa como uma total desconsideração há um publico que penou durante várias horas na fila de espera. Alguns até conformados vão alegar que tal medida de segurança se justifica por expor a obra a algum indivíduo que queria “tocar” a tela e assim macular seu incalculável valor. Mas acho que tal justificativa não serve. Assim como o CCBB e o próprio museu montaram um verdadeiro aparato em nível de segurança nacional estadunidense. A ponto de sermos advertidos até mesmo em respirar próximo ao vidro protetor das telas e sem contar das placas divisórias que delimitam o expectador e ainda de quebra possuem climatizadores para manter tais obras em temperatura ambiente protegidas do nosso clima tropical.
A verdade é que, até entendendo que há um interesse dos colecionadores por preservarem seus patrimônios se é que existem tais atores. Até onde eu sei o Musée d’Orsayrecebeu importantes quadros de colecionadores, ou seja, talvez estejamos falando de quadros sob domínio do âmbito privado. Acho que no fundo há esta superestima e solenidade que envolve toda a aura da obra de arte que tão bem fora observada por Walter Benjamim. Um superestima que talvez tenha ido de encontro aos principais envolvidos e que não estão mais aqui para reclamar o que na verdade se tornou patrimônio da humanidade conservadora: os próprios artistas impressionistas.
Solitário Anônimo – documentário.
dirigido por Debora Diniz.
18 minutos. Brasil
Uso aqui as mesmas considerações de inicio de texto que usei nos comentários sobre o livro Lembra-te de que ou Medéia. Os poucos 18 minutos desse documentário não são de forma alguma desperdiçados por esta competente diretora que aqui participa como uma voz sussurrante a questionar ao nosso anônimo se o mesmo “sabe o que é morrer” sem julgamentos moralistas ou preconcebidos. Um documentário que de fato diz muito do que muitos documentários de duas horas.
Não vou me aprofundar. Quando este vídeo me foi recomendado não acreditei que me causaria tanto impacto, por coincidência encontrei na mesma ocasião uma matéria em uma revista de filosofia com a matéria do médico e filósofo Flávio Paranhos (filosofia ciência & vida, ano VII, número 75, outubro de 2012). O que vou deixar aqui são questões como a intervenção do Estado no direito de morrer, de exigir um nome aos “Josés” analfabetos do nosso mundo de aparências. O mal estar que nos primeiros minutos achei que seria nas imagens do filme que apenas foram engodos e a verdadeira náusea nos é provocada diante de nossa impotência ante ao peso da vida sobre nossa individualidade. Individualidade esta cujo pacto é quebrado quando nossas identidades como numero são rasgadas e nosso nome negado. Paradoxo? Não. O nosso sentido de identidade como seres sociais, políticos e privados é em prol a uma coletividade que nos põem a prova o tempo todo. Mas talvez seja mais que isso. Nossa instrução não salva nossas almas. Pelo contrário, condena. Chegamos ao topo do mundo e olhamos para baixo. Para o abismo filosófico de nossa existência e ficamos fracos diante do sublime. Resultado: se não temos coragem de nos matar não é por causa de uma crença tola em um poder supremo, mas por puro instinto de sobrevivência. Diante disso nosso Solitário Anônimo se não teve a coragem “japonesa” de cometer tal ato ao menos “jogou-se fora” ao jogar seu próprio passado e seu nome. Entregue a um futuro de incertezas onde o mesmo ansiava por morrer e assim se deixou a essa contingencia seu passado não passa de “um montante de lixo” e o seu preso o simples “real".
Longe de criticar nosso solitário anônimo, critico aqui mais uma vez o Estado que também com seus paradoxos tira o direito constitucional e individual de alguém optar pela morte solitária enquanto muitos outros contribuintes em estados terminais e emergências morrem como moscas nos corredores dos hospitais públicos de nosso ordeiro e progressivo país. Desculpe a ironia, pessoal, mas aqui a ironia é mais suave que a ira.