quarta-feira, 30 de março de 2011

Falência

“O céu acima da vida talvez se torne perigoso e sombrio por causa dele, mas o ar permanece robusto e severo. – Além de tudo, esses entusiastas propagam a fé na embriaguez, com todas as suas forças, como no que há de vida na vida: uma crença terrível! Tal como agora os selvagens são rapidamente corrompidos e arruinados pela “água ardente”, a humanidade como um todo foi corrompida, lenta e radicalmente, pelas aguardentes espirituais dos sentimentos inebriantes, e por aqueles que mantiveram vivo o anseio por eles: talvez ainda venha a se arruinar com isso.”

Nietzsche, Friedrich (Aurora) – 1881

Desvelando seus conhecimentos sobre a Teologia luterana e romana, o imoralista germânico, neste aforismo, ainda que abordando a religiosidade em seu contexto (segunda metade do Século XIX), também não poderia falar sobre política? Não desvinculando este pensamento na organização desta obra, mas inspirando-se em sua dinâmica, avançando para uma ínfima análise política de nossa contemporaneidade? A descrença que o proletariado terceiro-mundista desenvolveu para com os movimentos socialistas e esquerdistas; decréscimo da influência clerical romana sobre populações outrora disciplinadas; descrédito explícito às apologias e discursos de lideranças e entidades políticas conservadoras e neoliberais; desmoronar as verdades das minorias. Testemunhamos a ruína de verdades, mitos e práticas no início do Século XXI. Não há uma bússola ou, como diria Nietzsche, remédio, para confortar um indivíduo em nossa década. A desilusão, acompanhada de um asco semelhante ao que consideramos repugnante para nossa vivência, um desprezo às promessas de fraternidade e felicidade gerais seriam alguns destes efeitos. E quanto aos entusiastas que Nietzsche referia-se? Mantendo a inspiração, poderia ser o militante político? O estudante e sindicalista orgulhosos na ostentação de seu sacrifício à uma causa? Heidegger, na década de 1950, alegava que vivíamos na Era Atômica, quando refletia sobre a relação do homem com sua realidade. Sobrevivendo nesta era de silício e, como dizia Nietzsche falando através de Zaratustra, como fragmentos de homens, ainda que sob condições apáticas, vivem escravizados em um sistema onde seus companheiros de armas juravam combater. Ainda que, sob o manto da modernidade, por vias revolucionárias ou democráticas, estes consolidassem sua autoridade sobre antigos algozes.

Pierre

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