Abdul ou Felipe Sandin, é uma amigo livre pensador que viaja pelo mundo. De vez en quando manda umas mensagens encaminhadas, mas o interessante é que ele sempre manda algo relevante. Nunca me mandou dramas de fotos de crianças com cancêr e contas bancárias, mas já me mandou piadas realmente engraçadas. O último email foi esse:
Mauro Santayana nos lembra: “Roma não era tão forte assim”
O mundo, depois de Julian Assange
Mauro Santayana, no Jornal do Brasil digital
“Todos os que sabem escrever e manipular um computador são cidadãos, que são
mais que jornalistas.”
O presidente Lula e o primeiro-ministro Putin tiveram o mesmo discurso,
ontem [9/12], em defesa de Julian Assange, embora com argumentos diferentes.
Lula foi ao ponto: Assange está apenas usando do velho direito da liberdade
de imprensa, de informação. Não cabe acusá-lo de causar danos à maior
potência da História, uma vez que divulga documentos cuja autenticidade não
está sendo contestada. Todos sabem que as acusações de má conduta em
relacionamento consentido com duas mulheres de origem cubana, na Suécia, são
apenas um pretexto para imobilizá-lo, a fim de que outras acusações venham a
ser montadas, e ele possa ser extraditado para os Estados Unidos.
O que cabe analisar são as consequências políticas da divulgação dos
segredos da diplomacia ianque, alguns deles risíveis, outros extremamente
graves. Ontem [9/12], em Bruxelas, o chanceler russo Sergei Lavrov comentava
revelações do WikiLeaks sobre as atitudes da Otan com relação a seu país:
enquanto a organização, sob o domínio de Washington, convidava a Rússia a
participar da aliança, atualizava seus planos de ação militar contra o
Kremlin, na presumida defesa da Polônia e dos países bálticos. Lavrov
indagou da Otan qual é a sua posição real, já que o que ela publicamente
assume é o contrário do que dizem seus documentos secretos. Moscou foi além,
ao propor o nome de Assange como candidato ao próximo Prêmio Nobel da Paz.
O exame da história mostra que todas as vezes que os suportes da palavra
escrita mudaram, houve correspondente revolução social e política. Sem
Guttenberg não teria havido o Renascimento; sem a multiplicação dos prelos,
na França dos Luíses, seria impensável o Iluminismo e sua consequência
política imediata, a Revolução Francesa.
A constatação do imenso poder dos papéis impressos levou a Assembleia
Constituinte aprovar o artigo XI da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, logo no início da Revolução, em agosto de 1789. O dispositivo do
núcleo pétreo da Constituição determina que todo cidadão tem o direito de
falar, escrever e imprimir com toda liberdade. As leis punem os que,
mentindo, atingem a honra alheia. A liberdade de imprensa, sendo dos
cidadãos, é da sociedade. Das sociedades nacionais e, em nossa época de
comunicações eletrônicas e livres, da sociedade planetária dos homens.
É surpreendente que, diante dessa realidade irrefutável, jornalistas de
ofício queiram reivindicar a liberdade de imprensa (vocábulo que abarca, do
ponto de vista político, todos os meios de comunicação) como monopólio
corporativo. A internet confirma a intenção dos legisladores franceses de há
221 anos: a liberdade de expressão é de todos, e todos nós somos
jornalistas. Basta ter um endereço eletrônico. As pesadas e, relativamente
caras, máquinas gráficas do passado são hoje leves e baratíssimos notebooks,
e de alcance universal.
É sempre citável a observação de Isidoro de Sevilha, sábio que marcou o
sétimo século, a de que “Roma não era tão forte assim”. Bradley Manning e
Julian Assange estão mostrando que Washington – cujo medo é transparente em
seus papéis diplomáticos – não é tão poderosa assim. É interessante
registrar que o nome de Santo Isidoro de Sevilha está sendo sugerido, por
blogueiros católicos, como o padroeiro da internet.
Os jornalistas devem acostumar-se à ideia de renunciar a seus presumidos
privilégios. Todos os que sabem escrever e manipular um computador são
cidadãos, e ser cidadão é muito mais do que ser jornalista. São esses
cidadãos que, na mesma linha de Putin e Lula, se mobilizam, na ágora
virtual, para defender Assange, da mesma forma que se mobilizaram em defesa
da mulher condenada à morte por adultério. O mundo mudou, mas nem todos
perceberam essa mudança.
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